Com boa atuação de Tom Hanks, filme vai além de celebrar o piloto ‘herói do rio Hudson’. Apesar do desfecho conhecido, história é mostrada com tensão que garante interesse do espectador
Sully: O herói do rio Hudson” (assista ao trailer abaixo) – que estreia nesta quinta-feira (15) depois de ter sido adiado por causa da queda do avião da Chapecoense – é menos um filme do que uma homenagem a um piloto de avião que fez uma manobra impossível para tentar salvar 155 pessoas. E ainda tem o tributo à força moral do povo de Nova York – preguiça…
Além disso, é muito sem novidade: todo mundo já sabe o final da história real que inspira o roteiro – ninguém morre. Sem contar que o veterano Clint Eastwood, aos 86 anos, já foi bem melhor (“Gran Torino”, “Um mundo perfeito”, “Os imperdoáveis”). E o Tom Hanks até pode merecer o indicação ao terceiro Oscar, mas seus outros dois vieram por trabalhos francamente mais emocionantes – um soropositivo em “Filadélfia” (1993) e o homem mais involuntariamente sortudo do mundo em “Forrest Gump” (1994).
“Sully” justifica essas e outras ressalvas. Mas, por mais contraditório que isso possa soar, elas só tornam o filme melhor do que ele parece ser. Mesmo com defeitos de fabricação e sem ser obra-prima, “Sully” faz seus 96 minutos passarem sem esforço algum por parte do espectador.
É tenso, comovente e didático sem que as imagens e os diálogos fiquem a toda hora implorando para que o público sinta verdadeiramente toda essa tensão, comoção e sensação de sabedoria. Sabe a gritaria, a correria, a verborragia e a mania de grandeza associadas pejorativamente ao adjetivo “hollywoodiano”? “Sully” não tem nada daquilo lá.
E reforça este ensinamento banal e clichê, mas importante: na prática, a teoria é outra. Por mais que computadores apontem que o certo é X, às vezes é justo dar algum crédito ao cidadão que se decide por Y. Não por teimosia ou por instinto rebelde. Mas por quilometragem de voo e de vida.
Está mais perto do erro quem acha que sabe tudo porque leu tudo e imaginou tudo do que quem admite a própria ignorância e não descarta o acaso. Não é contar com a sorte. É contar com a possibilidade de que nem manuais são bíblias nem máquinas são deuses.
O episódio que inspirou o longa – já cotado para receber indicações ao Oscar 2017 – aconteceu em 2009. O piloto Chesley Sullengerger, o Sully (Tom Hanks, em versão envelhecida, contida e excelente), havia acabado de decolar em Nova York quando um grupo de aves atingiu as duas turbinas do avião.
Após avaliar que era impossível retornar ao aeroporto ou chegar a tempo a qualquer pista de pouso na região, o comandante resolveu pousar no rio Hudson. A estatística sugeria que só por milagre aquilo daria certo.
O feito, como adianta o próprio nome do filme, rendeu de início o status de herói a Sully. Mas, nos bastidores, começou uma investigação para ver se a decisão, de fato, havia sido a mais indicada.
É este o conflito central de “Sully”, que em vários momentos vira um filme de tribunal. De um lado, os mocinhos tentando provar que mereciam ser tratados como salvadores – além de Tom Hanks, tem o Aaron Eckhart fazendo Jeff Skiles, o copiloto carismático e engraçado. Do outro lado, os vilões tentando mostrar que a dupla tinha sido imprudente e não fez mais do que colocar em risco a vida dos outros sem necessidade nenhuma.
E não há muitos personagens além desses. Ninguém é mostrado com qualquer complexidade ou autonomia, a não ser Sully e, olhe lá, Jeff Skiles. Nesse sentido, o filme é bastante simplório e meio preguiçoso, até.
Mas Clint Eastwood se vira no essencial. Dirige bem seu par de atores, alterna habilmente os dois tempos da história (o pouso forçado, que dá nervoso; e o drama posterior do julgamento, que também dá nervoso) e evita que seu interesse em celebrar um feito não passe de um constrangedor exercício patriota pós-11 de setembro.
Fonte: G1