Garimpo é qualquer área onde a extração mineral, geralmente o ouro, é feita em pequeno volume e com baixo impacto ambiental por uma pessoa, uma cooperativa ou associação. A definição é do Estatuto do Garimpeiro, de 2008 (Lei nº 11.685), que também estipula que, por causa dessas características, o garimpo independe de estudos de impacto ambiental para ser aprovado no país.
Contudo, a definição da atividade garimpeira prevista em lei quase não se aplica mais à realidade do ouro extraído da Amazônia, onde, segundo o pesquisador do Instituto de Estudos Socioambientais (ISA), Rodrigo Magalhães, os garimpos estão cada vez mais profissionais, agressivos e industriais.
O pesquisador do ISA lembra que o conceito de garimpo adotado no Estatuto de 2008 vem da definição que se fazia na década de 1960, com o Código de Mineração, quando o garimpeiro trabalhava de maneira artesanal, semelhante ao visto em Serra Pelada.
“A definição histórica de garimpo é muito relacionada a figura de homens pobres, que trabalhavam em condições muitas vezes autônomas e insalubres, que empregava técnicas rudimentares ou artesanais de extração, com baixo impacto ambiental e de baixa escala. É a imagem que Bolsonaro quer vender do garimpo atual para legalizar o garimpo em terras indígenas”, diz Magalhães.
O caso da invasão do garimpo no Rio Madeira registrado na semana passada, quando 350 balsas e dragas atracaram na região do município de Autazes, no Amazonas, por quase um mês para exploração ilegal de ouro também exemplifica que a atividade não ocorre mais de maneira artesanal, desarticulada e em pequeno volume.
Além disso, segundo garimpeiros revelaram em uma audiência pública na Câmara dos Deputados em setembro de 2019, os garimpos na Amazônia lucram de R$ 3 bilhões a R$ 4 bilhões por ano, demonstrando que não se trata mais de uma atividade de pequeno volume, como define o Estatuto do Garimpeiro. Na ocasião, políticos e garimpeiros defenderam transformar garimpos ilegais na região em empresas legalizadas.
Entenda em seis pontos como funciona o mercado do ouro extraído em território nacional, da retirada do garimpo até a chegada no mercado:
- Onde o garimpo é proibido?
- O que é a lavra garimpeira?
- Quem pode extrair, quem pode comercializar?
- Quem pode comprar ouro de garimpo?
- O que é o “esquentamento” do ouro?
- Como é feita a fiscalização?
Onde é proibido?
Em linhas gerais, o garimpo é proibido, segundo a Agência Nacional de Mineração (ANM), apenas em dois casos: terras indígenas e em áreas maiores que 50 hectares. No que diz respeito ao tamanho, há possibilidade de exceção caso a lavra garimpeira (permissão para existência de um garimpo) seja requerida por uma cooperativa de garimpeiros.
O governo de Jair Bolsonaro tenta mudar a proibição de extração mineral em terras indígenas, contudo. Em fevereiro do ano passado, o presidente assinou o projeto de lei nº191/2020, que libera a mineração nestes territórios de vários recursos minerais, inclusive petróleo e gás natural.
Apesar de ainda aguardar votação na Câmara dos Deputados, o PL nº191/2020 já encorajou milhares de requerimentos de mineração em Terras Indígenas desde o ano passado.
O que é a lavra garimpeira?
Para conseguir uma lavra garimpeira, qualquer brasileiro ou cooperativa de garimpeiros precisa preencher um requerimento no site da ANM, onde irá autodeclarar:
- Latitude e longitude da área onde será o garimpo;
- O tipo de propriedade do solo (proprietário, posseiro, co-proprietário, terra da União etc);
- A substância mineral a ser explorada (ouro, diamante etc);
- O uso que será feito dela (industrial; pedra de coleção; gema).
“A lavra garimpeira é um regime de extração de substâncias minerais com aproveitamento imediato do mineral que, por sua natureza, sobretudo seu pequeno volume e a distribuição irregular, não justificam, muitas vezes, investimento em trabalhos de pesquisa”, informa o site da ANM.
Uma vez concedida ao garimpo pela ANM, a lavra garimpeira tem duração de cinco anos, sempre renovável por mais cinco.
Quem extrai o ouro e quem comercializa?
O ouro pode ser extraído em dois tipos regimes previstos em lei: por garimpo, quando é feito em pequeno volume por uma pessoa física ou uma cooperativa que tenha a lavra garimpeira da área; por mineração, quando é feito por uma mineradora em escala industrial que tenha a lavra mineradora do local.
Enquanto a lavra mineradora permite que o minerador realize todas as etapas do comércio do ouro, inclusive a exportação, a lavra garimpeira permite apenas a extração local do ouro e sua primeira venda no mercado.
“A concessão de lavra mineradora é um tipo de autorização mineral que abrange todo o processo produtivo do ouro. Então, a mineradora tem autorização para extrair o ouro, refinar, fundir, comercializar e exportar, enquanto que o garimpeiro tem apenas autorização para fazer a extração”, explica Magalhães.
Ou seja, o ouro extraído pelo garimpeiro tem apenas dois destinos: ser vendido para empresa que vai realizar as demais etapas (refinar, fundir e exportar) ou diretamente para o consumidor final (no caso, o ourives).
“O ouro extraído pela mineradora tem várias natureza jurídicas possíveis: pode ser mercadoria, pode ser um ativo financeiro, ou um artigo cambial. Já o ouro extraído do garimpo é necessariamente um ativo financeiro”, descreve Magalhães.
Quem compra ouro de garimpo?
Por ter apenas uma natureza jurídica, o ouro extraído em garimpo pode ser vendido somente ao Banco Central ou à instituição por ele autorizada, chamada de Distribuidora de Títulos e Valores Mobiliários (DTVM).
“O ouro do garimpo é comprado primeiro pelas DVTMs e, posteriormente, entram para o sistema financeiro ou vão para o mercado internacional ou para joalherias”, explica o pesquisador da Universidade Federal Fluminense (UFF), Luiz Jardim Wanderley.
Por isso, em tese, a fiscalização do ouro vindo de garimpos deveria ser fácil de ser executada, mas não é o que acontece por causa da prática de “esquentamento” do ouro ilegal feito no momento da primeira venda (entenda no tópico abaixo).
Como é o processo de esquentamento?
O processo de esquentamento é quando o ouro extraído de maneira ilegal entra no mercado nacional e internacional como legal. “O garimpo ilegal é facilmente inserido no mercado legal do ouro”, diz Wanderley.
Para isso, segundo o pesquisador da UFF, o garimpeiro costuma extrair o ouro de uma região ilegal – como reserva indígena, por exemplo – e migrar para uma região de extração legal na hora de fazer a venda. Ele, então, vende esse ouro a um intermediário legal da região, como as cooperativas de garimpeiros, e estas revendem para as instituições autorizadas pelo Banco Central.
Além disso, a lei também permite que o garimpeiro venda o ouro extraído por ele diretamente ao consumidor final, neste caso considerado o ourives, desde que declare que o ouro foi extraído legalmente.
“Parte do ouro [garimpado] entra no mercado para os ourives, sendo transformados em joias. Outra parte é esquentado em autorizações legais em áreas diferentes do local de extração”, resume Wanderley.
Em 8 de junho, o MPF emitiu uma recomendação à Agência Nacional de Mineração alertando sobre a escalada do garimpo na Amazônia: entre 2019 e 2020, 49 toneladas de ouro ilegal foram retiradas da Amazônia, “esquentadas” e comercializadas dentro e fora do país.
Fiscalização
Uma das principais brechas na fiscalização do ouro garimpado ilegal está na própria lei, uma vez que o garimpeiro pode autodeclarar seu local de extração. “Ao venderem o ouro extraído de forma ilegal para as DVTMs ou pelas Cooperativas, os garimpeiros autodeclaram que foram extraídos de áreas regularizadas de um outro dono ou das cooperativas”, explica Wanderley.
Para os pesquisadores, a fiscalização deveria ocorrer, principalmente, no local de extração, ou seja, no momento em que o ouro está sendo extraído. Além de frágil fiscalização, documentos já apontaram a relação do garimpo ilegal na Amazônia com organizações criminosas, sobretudo em territórios indígenas, além de relação com o próprio poder público local. Família de garimpeiros ilegais se associa a índios e quadrilhas para explorar ouro
Em março, um documento do MPF que pedia atuação urgente de forças federais para conter o avanço da invasão de garimpeiros no igarapé Baunilha, em Jacareacanga, dentro do território Munduruku, fala em crime organizado. Segundo o órgão, os garimpeiros estavam fortemente armados e fotos indicavam a entrada de grande número de pás carregadeiras.
Em junho, a Justiça Federal expediu mandado de prisão preventiva para o vice-prefeito de Jacareacanga, um dos maiores locais de extração de ouro no Brasil, suspeito de dar apoio ao garimpo ilegal nas terras indígenas da região.
Em dezembro de 2020, um delegado da própria Polícia Federal foi preso temporariamente por suspeita de vender informações a donos de garimpos no Rio Tapajós. De acordo com a PF, um servidor público federal teria recebido ao menos R$ 150 mil de garimpeiros da região de Itaituba, como forma de “blindá-los” de eventuais ações policiais.