O presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, sempre se interessou por temas complexos nas relações internacionais. Durante seu segundo mandato, orquestrou uma ousada tentativa de frear o programa nuclear iraniano, numa triangulação entre ele, Tayyip Erdogan, da Turquia, e Mahmoud Ahmadinejad, do Irã. O grupo dos cinco países nucleares, mais a Alemanha, conhecido como P5+1, não gostou muito da tentativa de Lula, abortou tudo o que ele prometeu e negociou direto com Ahmadinejad.
Esse é apenas um exemplo de como Lula demonstra ter interesse em mediar grandes crises e conflitos. Recentemente, durante sua visita ao presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, ele se colocou mais uma vez como uma alternativa para mediar a sangrenta guerra entre Rússia e Ucrânia. Dificilmente tal movimento ganhará tração, pois a partir do momento em que Lula culpa, igualmente, Zelensky e Putin pela guerra, a confiança dos ucranianos na neutralidade da arbitragem do brasileiro se perde.
Lula não precisa ir longe para fazer algo relevante e duradouro nas relações internacionais. Para ele, existiriam apenas ganhos políticos em mediar a guerra na Ucrânia ou o programa nuclear iraniano. No entanto, existe uma situação na qual Lula poderia realmente fazer a diferença, mas, para isso, ele terá que arriscar um pouco do seu capital político perante aliados.
As crescentes tensões fronteiriças entre Venezuela e Guiana vêm ganhando a atenção de inúmeros governos do hemisfério, da Organização dos Estados Americanos (OEA) e de atores relevantes na geopolítica global. Por que não, ao invés de se colocar como um mediador na Europa, Lula não se coloca como solucionador de um problema potencialmente grave, a poucos quilômetros da fronteira brasileira?
Desde que a Guiana descobriu reservas gigantescas e valiosas de petróleo de altíssima qualidade, a vizinha Venezuela vem reativando velhas ambições territoriais no país. A incapacidade venezuelana de explorar o próprio petróleo, devido ao sucateamento da petroleira estatal PDVSA, desperta ambições no quase refinado meio do petróleo guianense.
A disputa fronteiriça é antiga e, pelo lado venezuelano, argumenta-se que a decisão arbitral de 1899, que definiu a fronteira entre os dois países, está errada e que um terço (aproximadamente) do território guianense pertence à Venezuela. A Guiana, naturalmente, rechaça qualquer linha dessa visão.
Lula poderia ser um importante, senão decisivo, ator nesse embate. Sua influência direta no governo do presidente venezuelano Nicolas Maduro seria suficiente para acalmar as intenções do país vizinho. Além disso, a Guiana precisa de um parceiro como o Brasil. O presidente da Guiana, Irfaan Ali, respeita e admira Lula de longa data. Para o Brasil, a manutenção da paz entre Venezuela e Guiana não é apenas correta, mas também de nosso interesse direto. Esse é um dos únicos casos em que a influência brasileira pode ser mais decisiva do que a influência norte-americana ou europeia.
Ao invés de buscar protagonismo em batalhas que não nos pertencem, por mais legítima que seja a boa vontade do governo, o governo Lula poderia se impor como líder em problemas potencialmente graves na América do Sul.
A neutralidade não deve ser baseada na distância. Invocar uma posição neutra na Europa ou na Ásia não é difícil para um país como o Brasil, porém invocar uma posição neutra e técnica em problemas regionais, é mais complicado e, por isso mesmo, mais importante. A liderança surge nas inconveniências. Nesse caso específico, colocar-se como o líder regional que almeja ser, envolve deixar de lado paixões ideológicas históricas e abraçar a tecnicalidade como força motriz da política externa brasileira.