No Brasil, mais de 40% da produção é exportado e mercado americano é o principal destino; para especialistas, preço internacional do aço deverá cair e provocar crise no setor.
A sobretaxa ao aço importado anunciada pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, vai afetar em cheio as siderúrgicas brasileiras. O Brasil é o segundo maior exportador de aço para os EUA e as vendas para o país representam um terço das exportações brasileiras do produto.
O presidente Trump afirmou que a intenção é elevar as taxas em 25% para aço e em 10% para alumínio comprado de empresas estrangeiras. Ele recorreu à seção 232, um dispositivo voltado para investigar se produtos importados colocam a segurança nacional dos EUA em risco.
A iniciativa, que deve ser oficializada na semana que vem, vai afetar todos os produtos exportados pela indústria siderúrgica ao país, explicou ao G1Alexandre Lyra, presidente do conselho diretivo do Instituto Aço Brasil, entidade que representa a indústria siderúrgica.
Ele lembra que o setor teve o pior desempenho da história em 2016 e iniciou uma recuperação em 2017, puxado pela retomada da atividade na indústria automotiva. As siderúrgicas, no entanto, ainda operam com 35% de capacidade ociosa.
“Se os EUA fecharem as portas, nós vamos ter que passar por uma nova rodada de ajustes. Vamos ter que desligar fornos, reduzir a produção e cortar empregos”, disse Lyra.
Entre as empresas, o impacto será sentido de forma diferente, explica Renato Maruishi, analista de siderurgia e mineração do Santander. A CSN e as multinacionais que fazem negócios com unidades dos EUA perderão negócios. A Usiminas sentirá um efeito reduzido sobre suas vendas, enquanto a Gerdau pode se beneficiar.
O Brasil produz 35 milhões de toneladas de aço bruto e, destes, 15 milhões são exportados – um terço para os EUA. O peso dos EUA é maior entre os produtos semimanufaturados – eles compraram 53% do total exportado pelo Brasil em janeiro deste ano.
Lyra explica que 80% do aço que segue para o país é semiacabado, ou seja, um produto que é processado novamente por siderúrgicas americanas até chegar ao seu cliente final, como as montadoras.
“Nosso aço não rouba emprego de nenhum metalúrgico americano”, disse Lyra.
O representante das siderúrgicas diz que o país não consegue exportar produtos finais justamente porque já está em vigor uma medida antidumping contra o aço acabado brasileiro. Isso significa que os EUA consideram que o produto chega com preços anticompetitivos e impõem uma sobretaxa a eles. A medida em discussão agora seria uma nova taxa, aplicada a todos os tipos de aço.
A exportação de aço para os Estados Unidos vinha crescendo ano a ano, tanto em volume quanto em produção. “Essa exportação estava crescendo por conta do aumento da competitividade do aço do Brasil”, afirmou o consultor Welber Barral, consultar e ex-secretário de comércio exterior do Brasil.
Excesso de oferta e queda de preços
Se Trump for adiante no seu plano de sobretaxar o aço, os preços internacionais do produto deverão cair, estimam os especialistas.
“Todos os fabricantes do mundo vão tentar mercados alternativos. E haverá excesso de oferta fora dos EUA. E, lá nos EUA é o contrário: vai subir o preço no mercado local”, estima Lyra.
Para o analista do Santander, no curto prazo, as siderúrgicas com fábricas nos EUA podem se beneficiar, pois terão espaço para subir preços. “A alegação do Trump é que o aço importado pelos EUA estava prejudicando as fabricantes locais”, resume Maruishi.
Mas isso pode atrair novas fabricantes para os EUA inundar o mercado interno do país, levando a um excesso de oferta que culminará com uma queda de preços.
Para as indústrias que compram aço importado o custo de produção pode ficar mais caro. “É bastante discutível as alegações de Trump de que o aço brasileiro prejudica a competitividade da indústria local. O produto que o Brasil exporta para os EUA já é semielaborado e tem muito pouco valor agregado”, afirmou Maruishi.
Mirou na China, acertou no Brasil
Desde sua campanha eleitoral, Trump tem criticado a presença de produtos importados pela China nos EUA e defendido medidas de proteção à indústria americana. Mas por que ele tributou o aço se a China é apenas o 11º no ranking de exportadores do produto para os EUA?
É comum no comércio internacional que exportadores tentem driblar restrições ao produto importado de seu país. Eles levam o produto para outra localidade e podem até fazer algum incremento pontual, mas o verdadeiro objetivo é mudar a sua origem e fugir de taxações extra – essa prática é conhecida como “circunvention”.
“Os americanos suspeitam que outros países ‘maquiam’ as exportações da China. Não posso falar por todos, mas no caso do Brasil não é verdade. O aço brasileiro exportado para os EUA é fabricado no Brasil”, disse Lyra.
A mera suspeita pode prejudicar muito o Brasil. O secretário do Comércio dos EUA, Wilbur Ross, tinha 3 opções para Trump restringir a entrada de aço estrangeiro, de acordo com Lyra, que participou da comitiva brasileira que esteve em Washington nesta semana para tratar da questão:
- Criar uma sobretaxa para todo o aço importado – opção escolhida por Trump;
- Criar uma taxa extra de 53% para 12 países de uma “lista negra”, entre eles o Brasil, que supostamente maquiam exportações da China;
- Criar uma cota por país de volume exportado para os EUA, que seria 63% do total vendido atualmente ;
Carvão é carta na manga
As autoridades de diferentes países já estão se organizando para tentar reverter a decisão de Trump. O ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Marcos Jorge de Lima, admite que o Brasil questione os EUA na Organização Mundial de Comércio (OMC) sobre a questão.
Antes disso, explica o representante da indústria siderúrgica, o Brasil vai tentar uma nova cartada. Ele diz que as siderúrgicas brasileiras importam US$ 1 bilhão por ano em carvão americano para mover seus fornos. “Nossas cadeias são complementares”, diz.
Com esse argumento, eles vão pedir para o Brasil ficar de fora da sobretaxa ao aço. “Se não der certo, vamos tentar abrir um painel na OMC.”
A repercussão no mercado de aço não impede que cada país decidar impor uma retaliação aos EUA, afirmam os analistas.
“Você pode ter outro impasse. Começar a ter retaliações comerciais contra os EUA, da China, Coreia do Sul, Rússia, Canadá”, diz o consultor Barral.
Fonte: G1