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Mulheres que têm direito ao aborto enfrentam dificuldades no Brasil

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Lei autoriza aborto em caso de estupro, risco de vida e feto anencéfalo, Mas quem precisa interromper a gravidez enfrenta diversos problemas.

Em casos de estupro, basta a decisão da mulher para que se tenha acesso ao aborto no Brasil. Segundo uma norma técnica do Ministério da Saúde, o hospital não pode exigir nenhuma autorização judicial, boletim de ocorrência ou exame de corpo de delito para realizar o aborto. Além dos casos de estupro, a lei autoriza o aborto quando a mãe corre risco de vida na gestação ou quando está grávida de anencéfalo. Mas a realidade das mulheres que passam por isso é bem diferente.

A jornalista Marcelle Souza, que trabalha com a revista Galileu, fez um estudo sobre o tema: “Fiz um levantamento de dados de estupro e de aborto no Brasil e percebi que o Acre é o estado com maior proporção de estupros do país e quase não fez aborto nos últimos anos”.

Em 2016, foram feitos dois abortos legais entre 443 estupros registrados. No Acre, segundo o Ministério da Saúde, a incidência de estupros é quase cinco vezes maior que a média nacional. Na capital Rio Branco, há três hospitais que fazem atendimento à mulher. Além deles, existem dois lugares que elas podem procurar: o Centro de Referência em Assistência Social e a Delegacia da Mulher.

Na prática, a mulher que precisa desse tipo de assistência não consegue ajuda tão fácil. O Profissão Repórter esteve nesses lugares e, com a ajuda de Marcelle, que usou um microfone escondido, tentou descobrir como é o atendimento. Em todos os lugares ouve recusa. No Centro de Referência, por exemplo, foi informado que era necessária uma determinação judicial.

Na Delegacia da Mulher a informação é que é preciso registrar ocorrência, ser ouvida pela delegada e ter uma autorização judicial. A lei garante que não é necessário nem boletim de ocorrência, nem de autorização do juiz. “Eu acho que é necessário para amparar o que ela vai fazer depois. É desconfortável vir na delegacia fazer isso, mas a maioria que eu atendi não se recusou”, defende a delegada Kelcinaia de Mesquita.

No Acre só existe um hospital que faz o aborto em mulheres que têm esse direito: a maternidade Bárbara Heliodora. Em 2016, o hospital atendeu 248 vítimas de violência sexual, 122 estavam grávidas. Apenas duas fizeram aborto. O aborto no Brasil é permitido até 22 semanas de gravidez ou o feto com até 500g. “Talvez o nosso serviço seja muito acanhado, talvez não seja de conhecimento de todas essas mulheres. Tem milhares de mulheres que estão escondidas, que estão sendo vítimas e não estão nem em delegacia, nem em unidades de saúde. O estupro é um problema invisível”, afirma a ginecologista Julia Santos Gargnin.

Segundo a médica, muitas mulheres que querem abortar usam pílulas em casa. No Brasil, isso é difícil, mas muitas atravessa a fronteira com a Bolívia e conseguem facilmente.

Histórias reais
Em Teresina, uma jovem de 20 anos fez um aborto na Maternidade Evangelina Rosa. Ela tem problemas mentais e foi vítima de estupro. A família descobriu a gravidez aos quatro meses. Agora, para protegê-la, a avó tirou a jovem da casa da mãe. “Ela não fala sobre o que aconteceu, porque ela ficou com trauma. O psiquiatra falou que ela tem um trauma psicológico”, relata a mãe.

Há 13 anos, a Maternidade Evangelina Rosa criou um serviço específico para atender mulheres vítimas de violência sexual. As grávidas que optarem pelo aborto conseguem fazer o procedimento no local. Só em 2017, foram atendidas 274 mulheres vítimas de estupro, 11 estavam grávidas. Desde 2004, foram 4.336 casos. Na lista dos agressores aparecem: namorado, tio, irmão, padrasto, cunhado, vizinho.

Em São Paulo, outra jovem conta sua história: “Tenho 18 anos e uma filha de dois. Eu já estava separada do pai da minha filha e estava saindo pra festas. Eu estava ficando com um carinha e a gente ficou duas vezes e eu engravidei. Eu abortei porque naquele momento eu estava sozinha, só com a minha filha, sem apoio de ninguém, sem um conselho de ninguém. Eu liguei pra duas clínicas e eles falaram que era R$ 8 mil e eu falei: se eu não tenho nem R$ 200, como é que eu vou conseguir R$ 8 mil? O pai da criança não queria, disse que se eu não tirasse, ia tirar eu e ela do mundo. Eu consegui um remédio e fiz o aborto quando eu já estava com cinco meses”.

Ela não se encaixava em nenhuma das condições legais para interromper a gravidez. Segundo a Pesquisa Nacional do Aborto, 500 mil mulheres fizeram aborto ilegal. “Eu levantei e vi que tava escorrendo muito sangue. A gente jogou o feto no lixo. É o que mais dói, como se fosse um nada”, conta emocionada. Depois de passar mal, ela procurou ajuda: “A médica falou que eu estava com um resto de placenta dentro de mim e com uma infecção muito grave no sangue. Mais um pouquinho, eu teria morrido”.

Quatro mulheres morrem por dia no Brasil em consequência de abortos. Tilde Gonçalves é uma assistente social aposentada que trabalhou por 30 anos com saúde da mulher e viu graves complicações provocadas por abortos clandestinos: “As mulheres de classe média alta têm como resolver essa questão sem ficar com sequelas. Elas podem pagar uma clínica muito boa, com médicos em lugares adequados e a mulher pobre não tem essa condição. Então, elas vão procurar pessoas não qualificadas, vão usar métodos cruéis e muitas vezes ficando com sequelas ou morrendo”.

Em Xapuri, a quase 200 km de Rio Branco, Leisa conta sua história. Ela tem 16 anos e é casada há dois: “No meio da minha gravidez, eu descobri que minha filha tinha anencefalia. O doutor falou que tinha que pedir autorização do juiz pra poder tirar. Foi um choque”.

A anencefalia é um dos casos em que a lei brasileira prevê o aborto legal. Os hospitais estão autorizados a fazer o procedimento, mas Leisa só conseguiu a autorização quando estava com oito meses e ela e o marido desistiram do aborto. “Se tivesse abortado antes, teria sido mais fácil”, lamenta.

Em Campinas, no interior de São Paulo, uma associação tenta convencer gestantes a continuar com a gravidez. “De cada 10 mulheres que nos procuram querendo abortar, oito desistem e seguem a gravidez. Dessas oito, uma encaminha para adoção e as outras sete ficam com o filho”, conta Ana Ariel, coordenadora da ONG.

Uma jovem de 22 anos foi acolhida por uma família voluntária, ligada à ONG. Ela foi abusada sexualmente por uma pessoa muito próxima e preferiu se afastar da cidade onde mora. Ela vai dar à luz a criança, mas entregará o bebê para adoção ainda no hospital. “Eu quis denunciar, mas pensei na repercussão que ia acontecer na cidade. Como eu iria sobreviver com uma criança assim? Acabei vindo aqui por desespero mesmo. O primeiro pensamento foi abortar, mas como eu estava com uma gravidez elevada, tive medo e acabei vindo pra cá”, relata. 

Fonte: G1

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