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“As letras do sertanejo são muito pouco desenvolvidas”, diz Nando Reis

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Nando Reis está incomodado. E isso nada tem a ver com a recepção de seu novo trabalho, o intimista e ao vivo “Voz e Violão – No Recreio – Vol. 1”. O desconforto começou há cerca de dois meses, em um uma sessão de fisioterapia, e culminou em 30 dias sem poder chegar perto de um violão.

“Eu treino, e tive um problema no ombro. Mas aí veio essa lesão na articulação do dedo da mão esquerda. Tive que ficar um mês de molho, fazendo shows em um arranjo diferente, só cantando. Está doendo pra caramba ainda”, conta ele ao UOL, sentado na varanda de sua casa cor de goiaba no bairro do Pacaembu, em São Paulo.

Logo ao lado, em sua espaçosa e arejada sala de estar, Nando guarda parte de um rico universo musical. Instrumentos e amplificadores acomodados pelos cantos, edições luxuosas de livros sobre a história da música em uma mesa lateral, cerca de 300 LPs clássicos em invejável estado de conservação no pé de uma das paredes –são especialmente grandes as coleções de Bob Dylan e Neil Young–, além de um quebra-cabeças de 1.500 peças, recém-importado da Inglaterra e ainda em fase de construção.

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“Ah, mas isso é uma herança familiar. Um deleite. A coisa mais gostosa do mundo é sentar ali com minhas filhas e ficar ouvindo música e montando”, conta Nando, em um dos parcos momentos de amenidades da entrevista. Franco, o ex-Titã não titubeia ante a nenhum assunto. Ou quase isso: exceção feita à sua conhecida relação com a cocaína.

Sobrou –e muito– para os críticos musicais (“a visão que têm sobre meu trabalho é a de que, por ser popular, é carente de qualidade artística”), para a nova modalidade do fã caça-selfie (“isso me enche o saco”), para os sertanejos (“acho as letras muito pouco desenvolvidas”) e até para o seu time de coração (“o São Paulo está quebrado”).

UOL – Por que lançar um formato em voz e violão agora?

Nando Reis – Foi inesperado. Em fevereiro surgiu um convite para participar de um projeto do Sesc Pompeia [centro cultural em São Paulo] chamado “Sala de Estar”, com vários artistas e com o conceito de reproduzir mais ou menos o que você tocaria na sala de estar. Como se eu tocasse violão na minha sala. A ideia que eu tive no repertório foi relacionar algumas músicas de outros autores com as minhas influências. Relações indiretas. Aí surgiu um convite do Citibank [casa de shows] para fazer esse show. Resolvi gravar. Minha vontade, sempre que posso, é registrar as coisas. Ter material de arquivo, como um documento.

Sinceramente, estou pouco me fodendo para as críticas. Criticado sempre fui. Desde meu primeiro disco, por causa da minha voz.
Nando Reis

O formato acústico já foi muito explorado. Teme críticas?

Velho, eu nunca lancei um disco de voz e violão. Aliás, nunca fiz um acústico solo. E, sinceramente, estou pouco me fodendo para as críticas. Criticado sempre fui. Desde meu primeiro disco, por causa da minha voz. Quando lancei meu segundo disco, um imbecil lá do [jornal] “Estadão”, que eu detesto, falou que era “mais do mesmo”. Meu parâmetro não é esse. Não que eu não me incomode com essas coisas. É chato. Você faz um negócio, e aí vem uma visão carregada de preconceitos. Existe uma ideia incutida de que lidar com o mercado, ou pretender fazer isso, é um demérito. Que é algo que corrompe sua integridade artística. Sempre ouvi isso desde os Titãs. Parece que a crítica musical tem sempre uma linha editorial que vai ao encontro do que Tom Jobim falava: “Se você faz sucesso no Brasil, você é um merda”.

Várias músicas de seu novo disco já foram interpretadas pela Cássia Eller. “All Star”, “Relicário”, “As Coisas Tão Mais Lindas”. De que forma Cássia ainda te influencia?

É difícil dissociar o lado pessoal do artístico. A influência se dá pelo conjunto da relação. Minha identificação com a Cássia era mútua, a gente conversava sobre isso. É engraçado. Nós tínhamos certa semelhança na dificuldade de lidar com este mundo artístico, que não me interessa e parece um pouco artificial. Quase como se eu tivesse uma certa fobia. Havia uma série de coisas que a gente se identificava. Era muito gostoso estar do lado dela. Parecia que a gente era da mesma turma. Parecia que, finalmente, eu havia encontrado alguém assim. Alguém que passasse na minha vida e eu dissesse: “Uau! Agora eu tenho uma turma!”. Uma turma de dois, sabe?

E o que mais te incomoda em ser uma figura pública?

Ah, há uma coisa que enche o saco: a selfie. Tem dia que todo mundo aparece com a porra de um celular.

Pedem muito?

É um inferno! Eu sou super atencioso. Quando não sou, e eu sou criticado, falo: “bicho, há limites”. O que me incomoda é que é difícil ter um critério. Às vezes, o cara é agressivo. Hoje em dia, as pessoas tiram fotos não porque gostam de você. Muitas vezes elas nem sabem quem você é. Mas porque aquilo significa que ela vai colocar no Facebook e vai ter likes. Há uma inversão completa. Eu é que estou trabalhando para eles.

Muitos artistas se manifestaram sobre as tragédias de Paris e de Mariana. OPearl Jam chegou a anunciar que iria doar parte da renda do show em Belo Horizonte para Mariana. Você também sente necessidade de se manifestar sobre temas como esses?

O Pearl Jam deve ganhar muito mais do que eu. Eu não teria essa possibilidade. Minha posição é a mesma desses artistas, mas eu não gosto muito de falar publicamente sobre isso. Não acho que seja necessário. É até muito perigoso, porque as pessoas podem te induzir a tomar certa posição. Mas, mesmo assim, muitas vezes já me coloquei. Fiz um show para ajudar a Rede Sustentabilidade, da Marina Silva, que acho que foi sacaneada para não conseguir registrar o seu partido. Eu faço as coisas que acredito.

Você ouviu o disco novo do Titãs? O que achou?

Ouvi. Eu amo os Titãs. Então, eu não tenho isenção nenhuma para falar. Não me manifesto criticamente sobre nada. Não sou crítico de música. Eles sempre distorcem o que eu falo. Isso não me interessa. Tenho o meu gosto. O que digo sobre os Titãs é que eu amo aqueles caras. O que eles já fizeram e minha relação com eles garantem que tudo do que eles façam tenha um lugar no meu coração. Eu me aproximei do Paulo [Miklos], por causa da morte da Rachel [Salém, mulher dele]. Foi uma perda tristíssima. Nossas vidas são tão ocupadas. Mas o incrível é que, sempre que a gente se encontra, volta tudo. É como amigo. Você pode ficar dez anos sem se ver, mas na hora que se vê e vai tomar uma cerveja, tá tudo limpo.

Você é um dos artistas que mais recebe direito autoral no Brasil.

Acho que isso aí é mais folclore do que realidade (risos).

Seu nome está sempre entre os primeiros nos rankings do Ecad (Escritório Central de Arrecadação e Distribuição), pelo menos.

Tá ruim, então, essa distribuição, hein?

Independentemente disso, você já comentou que falta reconhecimento para o seu trabalho. Ainda pensa assim?

Às vezes, eu tento me corrigir sobre essas declarações. Porque às vezes elas soam como ressentimento, sabe? Isso é um pouco embaraçoso. Porque o lugar que você tem é o lugar que independe do seu círculo. É o meu melhor lugar. É o lugar em que subo ao palco, e as pessoas gostam e me prestigiam. Posso dizer que sou bastante reconhecido. Existem outros parâmetros, como a forma como as revistas me tratam, que acho bastante preconceituosa. Parece que a visão que eles têm sobre meu trabalho é a de que, por ele ser popular, é carente de qualquer qualidade artística. Como se eu só atendesse a essa demanda. Ou pelo fato de ser eu não tivesse sofisticação. Acho que meu trabalho é extremamente sofisticado. Não posso fazer nada. Eu faço a música. O que vai acontecer com ela depois, eu não sei.

Você fala muito da crítica. E acha que, em tempos digitais, perdeu muito do impacto e força que tinha?

Perdeu. E não se deu conta. Há um ranço. Homem é uma coisa estranha, sabe? O crítico parece sempre ter a necessidade de apontar algo que só ele descobre. E aquilo que não é de conhecimento comum não tem voz e valor. Mas acho que hoje já estou bastante descolado para lidar com isso. Que me irrita, irrita. Mas perdeu a força. Você tem toda a razão. Não sei se as pessoas hoje leem mais ou menos, mas os próprios jornais não vendem a quantidade que vendiam.

É inegável que, pelo menos em termos de popularidade, o sertanejo é o “novo rock”. Como você se sente dominado por um mundo que antes não existia?

Felizmente o mercado não pode ser controlado. Ele é sempre um reflexo do que acontece na sociedade, o que acontece no país. Você não pode conduzir isso a seu bel-prazer. Você pode estar inserido ou não. Cara, eu respeito todos os artistas. Gosto mais das pessoas que se dão bem do que das pessoas que acusam. Mas… (pausa) Muitos desses trabalhos não me interessam muito. O que mais me incomoda nesse estilo é uma certa pobreza na forma de escrever, sabe? Acho as letras muito pouco desenvolvidas. É um grau de chavão. Isso eu acho triste.

O que mais me incomoda nesse estilo é uma certa pobreza na forma de escrever, sabe? Acho as letras muito pouco desenvolvidas. É um grau de chavão. Isso eu acho triste.
Nando Reis, sobre o sertanejo

Ano passado você disse que estava há mais de um ano sem usar drogas. Como anda sua relação com elas?

Já falei tudo que tinha que falar sobre isso. Eu estou ótimo!

E o seu time, o São Paulo? O quanto o atual momento te incomoda?

Muito. Eu acordo de mau humor. A primeira coisa que eu leio quando pego o jornal é o caderno de esportes. E vou logo na matéria do meu time. Isso que está acontecendo é desalentador. O futebol brasileiro está uma merda. Os 7 a 1 [da Alemanhã contra o Brasil, na Copa do Mundo] não foram suficientes. Isso vem de muito tempo. Embora seja um resultado excepcional, é reflexo do que acontece no Brasil e no mundo. Corrupção é a palavra. É a coisa mais tóxica. E que momento inglório que o Rogério [Ceni, goleiro] escolheu para se aposentar. Quem vai estar com espírito de festa no dia 11? Eu não falo nada que não sei. Não gosto de fofoca. Mas o que aconteceu na diretoria do São Paulo, de um presidente ser obrigado a renunciar sob suspeita de corrupção, isso me cheira muito mal. O São Paulo está quebrado, assim como todos os outros times.

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Fonte: Uol

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