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Após ocuparem praças de RR, venezuelanos são proibidos de acampar durante o dia

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À noite, cerca de 700 venezuelanos dormem em barracas e sob papelões em alojamento improvisado pelo Exército; há dezenas de crianças.

São dezenas de barracas enfileiradas em um gigantesco acampamento que some ao nascer do sol e reaparece todas as noites nos fundos da Rodoviária Internacional de Boa Vista(RR). É onde ficam centenas de venezuelanos que não têm mais para onde ir.

Ao redor do acampamento, cordas marcam o espaço em que é permitido instalar barracas ou colocar papelões sobre o chão para dormir durante a noite. Militares do Exército patrulham o entorno e quando amanhece, todos são proibidos de ficar ali.

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Há três placas espalhadas no terreno. Separam famílias com crianças, casais, mulheres e homens solteiros. Mostram que o espaço faz parte da operação Acolhida, executada pelo Exército, Alto Comissariado da ONU para Refugiados (ACNUR) e ONGs.

Procurada, a operação Acolhida disse que retira durante o dia os imigrantes porque o espaço é público e em razão do calor nas barracas de manhã e à tarde.

Mudança

Até maio passado não era assim. O acampamento é vizinho à praça Simón Bolívar, onde havia uma ocupação de mais de 1,2 mil venezuelanos, a segunda a surgir na região desde 2017.

Na praça, os refugiados passavam dias e noites até que o espaço foi cercado com tapumes para uma reforma e, um mês depois, os imigrantes levados a abrigos. Há um ano uma ocupação em outra praça também foi desfeita.

À época, a Prefeitura e o Exército anunciaram que não iriam mais permitir ocupações em áreas públicas, mas com o fluxo intenso de venezuelanos fugindo da crise para Boa Vista e os abrigos lotados, eles voltaram a se aglomerar nas ruas.

Muitos recém-chegados passaram então a ficar em frente à rodoviária, até que em outubro passado todos foram mandados para a parte de trás do terreno, onde agora 700 pessoas estão pernoitando. Dentro da rodoviária também não é permitido ficar.

“Os militares nos acordam às 4h30, 5h assoprando apitos e mandando todos saírem”, contou Dagly *, 27, enquanto amamentava seu bebê, uma menina de apenas 10

Mãe e filha chegaram ao país no dia 18 de abril. Tiveram que cruzar rotas clandestinas como muitos têm feito, porque há dois meses o regime de Nicolás Maduro mandou fechar a fronteira com o Brasil.

Desde que desembarcaram na cidade, sem dinheiro algum, passam as noites dentro de uma minúscula barraca emprestada pelo Exército. De dia, devolvem-na aos militares e vagam solitárias pelo entorno já que não é permitido ficar ali.

“Pela manhã, quando todos devolvemos as barracas nos dão café. Tem pão, suco. À tarde quando pegamos de novo ganhamos marmitas”, explicou Dagly. “Nos dão comida. Ninguém passa fome”.

“Foi uma forma de organizar aquelas pessoas desabrigadas que se espalhavam no entorno da rodoviária à noite”, informou a coronel Carla Beatriz, porta-voz da Acolhida ao ser questionada sobre o acampamento improvisado.

Nesta semana, após o G1 procurar a operação Acolhida, tendas foram instaladas no acampamento. “Se tivéssemos mais vagas nos abrigos, tiraríamos todos das ruas. Infelizmente, não é possível”, complementou a porta-voz, acrescentando que 35 famílias foram levadas de lá a um abrigo no último dia 20.

Ainda segundo ela, os imigrantes “dormem ordenadamente atrás da rodoviária, com prioridade para famílias com crianças”. “Pela manhã devolvem a barraca, retiram os pertences e vão embora, para retornar outra vez à noite”, detalhou.

Abrigos lotados

Mais de 3,4 milhões de venezuelanos saíram do país desde 2014 fugindo da crise política e econômica vivida no regime de Maduro, segundo a ONU.

Boa parte cruza a fronteira da Colômbia para sair do país, mas muitos também deixam a Venezuela pela fronteira com o Brasil, causando tensão com a população local e sobrecarregando serviços públicos de Roraima, que vive uma crise fiscal.

Alguns venezuelanos dizem que vão ao acampamento porque estão só de passagem por Boa Vista, outros porque estão à espera de vagas em um dos quase sempre lotados abrigos para refugiados no estado – os 12 têm 6,5 mil moradores, segundo a operação Acolhida.

A comunicação do Alto Comissariado da ONU no estado informou que o espaço atrás da rodoviária é um “braço a mais do Exército e exclusivamente deles, no sentido de dar um teto aos migrantes que até então dormiam nas ruas”.

“À medida em que a interiorização for obtendo mais sucesso mais vagas se abrem nos abrigos. E consequentemente mais migrantes-refugiados conseguimos abrigar”, disse.

No terreno há 10 banheiros químicos separados para homens e mulheres. Uma água preta cobre os pisos. Exalam um odor fétido, mistura de urina e fezes.

“Os militares fazem a segurança durante a noite. Não permitem que haja roubos, brigas e que ninguém da rua nos faça mal”, contou Williany*, 48, quando perguntada sobre um militar da Polícia do Exército que patrulhava entre as barracas.

“De manhã eles gritam ‘embora, embora!’. É difícil para as crianças que às vezes têm sono e choram, mas não importa. Todos temos que sair e só podemos voltar às 17h”.

A administração da Rodoviária Internacional José Amador de Oliveira nega gerência sobre o acampamento, mas confirma que ele só funciona no período da noite.

“De manhã os militares mandam todos embora, mas à noite também é perigoso manter os venezuelanos ali. Há muitas crianças e o fluxo de ônibus é intenso”, afirmou o administrador da rodoviária, Makson Dias.

“Já pedimos que retirem esse acampamento daqui. Em março, nos disseram que todos seriam levados a abrigos, mas isso não aconteceu o número de pessoas só cresce. Eram 400 no começo”.

Com os dois filhos febris por uma gripe que persiste há dias, Eliannys*, 39, se espreme dentro de uma barraca de solteiro durante as noites no alojamento. O marido, Gabriel*, 29, dorme sob uma caixa de papelão desfeita em frente à barraca.

“Tentamos ir para abrigos, mas só estão aceitando famílias com crianças de até 2 anos”, resumiu Eliannys. “A menina tem 3 e o menino 4, quase 5. Fará aniversário em 19 de julho”, explicou mostrando os filhos.

“Nós vamos a Manaus por isso não quisemos buscar abrigos”, contou Adrian*, de 38 anos, recém-chegado ao Brasil. “Já era para estar lá, mas roubaram todo meu dinheiro em Pacaraima [cidade fronteiriça]”.

“Na Venezuela todas as portas estão se fechando, não há oportunidade, emprego ou salário que supere a inflação. Minha esperança é ter uma vida melhor em Manaus”, disse pouco antes de dormir mais uma noite no acampamento.

*Os nomes marcados por asteriscos são fictícios e foram adotados para preservar as identidades dos entrevistados.

 Fonte: G1

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